‘Tranco a casa às 18h e tomo banho com uma faca’, a rotina do medo das mulheres de Itapoá

As notícias de que um suspeito de assediar mulheres está rondando pelas ruas de Itapoá mudou a rotina delas no município. Do lazer ao trabalho elas são acompanhadas, agora, pela apreensão e a expectativa de que o caso se resolva. Diariamente, fotos e demais informações sobre suspeitos circulam pelas redes sociais dos moradores, e geram um campo fértil para o medo e a desinformação.

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O Folha Norte SC entrevistou cinco mulheres do município que contaram sobre suas novas rotinas movidas pelos cuidados que se intensificaram. Por precaução, não iremos identificá-las. Para elas, utilizaremos nomes fictícios.

Moradora do bairro Samambaial, ‘Ana’ tem 23 anos e vive com o companheiro que sai às 18h para trabalhar e só volta às 2h da madrugada. Sozinha, é nesse horário que o tormento começa. “Eu me tranco em casa depois das 18h e tomo banho até com uma faca”, contou. A moradora comenta que, devido às informações que circularam pelas redes, passou a ter pesadelos a noite e não sai nem na área de casa quando escurece.

Ana relata que tanto ela como as amigas do município estão mudando suas rotinas devido ao medo. “A gente não tem mais liberdade”, lamentou.

‘Susan’ tem 32 anos e mora no bairro Itapema do Norte, próximo ao local onde estão ocorrendo os relatos de assédio. Diariamente, sai para trabalhar às 9h. A volta para casa, quando anoitece, passou a ser de muita precaução.

“A sensação de entrar no carro rápido e não ficar demorando; quando entro em casa, abro o portão rápido. Acabou a paz, porque não temos muita informação”, afirmou. Após o trabalho, utilizava o tempo para realizar mais tarefas da rotina, como ir ao supermercado, lanchonete ou passear com o cachorro, algo que não faz mais sozinha. Quando seu marido sai a noite, as portas e janelas também são trancadas.

De acordo com Susan, as únicas informações que obteve sobre o ocorrido, até então, eram de relatos que estão circulando nas redes sociais, o que, segundo ela, acaba gerando ainda mais medo. A notícia oficial que teve acesso foi com a matéria do Folha Norte SC publicada nesta semana. “Queremos mais informações, e que a polícia prenda logo. Também pode ser que nem esteja mais aqui. Não dá para saber”, sugeriu.

‘Carmem’ tem 22 anos, mora no bairro São José II e é mãe de uma menina. Pela filha, o seu medo duplicou. A mãe comenta que sempre teve muito cuidado ao acompanhar notícias de roubo de criança. “E, mais, agora, com o que tem acontecido com algumas mulheres da nossa cidade eu estou me cuidando em dobro, mesmo”, alertou. Para trabalhar, tem um pouco mais de tranquilidade, pois a criança fica aos cuidados do pai.

A mulher destaca que o medo também chegou em sua mãe que mora em Paranaguá (PR) e acompanha as notícias pelas redes sociais. Temendo pela filha e pela neta, envia mensagens para que tomem cuidado.

Carmem enfatiza que, antes de Itapoá, morava em uma cidade considerada perigosa e que, de certa forma, está acostumada em relação aos cuidados com este tipo de crime. Ela destaca que são poucas cidades que são tranquilas como Itapoá “mas, se não for resolvido, esses pequenos acontecimentos, aqui, também podem se tornar um lugar perigoso como a maioria das cidades”, alertou.

‘Alice’, de 17 anos, tinha o hábito de correr todos os dias depois do trabalho, entre às 19h e 20h. A jovem destaca que o bairro Brasília, onde mora, em si já é considerado perigoso, sofrendo com a falta de iluminação, o que acaba, segundo ela, causa o medo naturalmente. “Mas, depois dos últimos dias, não vou para casa sozinha – já que saio do trabalho às 18h30 – e não lembro nem o dia que corri”, lamentou.

Alice comenta que devido ao medo, sua mãe não permite mais que ela e suas irmãs saiam depois das 18h. Durante o dia, quando saem, “ela liga de hora em hora”, contou.

A jovem comenta que as orientações por parte de sua mãe sobre cuidados faziam parte da rotina, com a questão de roupas que podem se tornar ‘chamativas demais’, e que o tema assédio já era uma realidade frequente. “Todos os dias eu chegava em casa falando sobre algum homem que me parou, ou que só passou na rua fazendo alguma piada”, disse.

‘Lena’, de 22 anos, moradora do Itapoá, costumava ir e voltar do trabalho de bicicleta. O trajeto que fazia era curto, mas ermo e com pouca iluminação. Com as informações de que um assediador estaria circulando por Itapoá, passou a fazer o trajeto mais longo, por uma via com mais circulação de pessoas e iluminação.

“Eu estou com muito medo, quando volto do serviço já está escuro, é inevitável pensar que ele pode estar escondido em algum mato”, suspeita. Em sua bolsa, afirma que passou a esconder uma faca. “Não queria andar, acho muito perigoso, mas é uma forma de tentar me proteger caso esse assediador me segure”, completou.

Nos últimos quatro dias, passou a contar com a companhia do esposo ou do pai para voltar do trabalho, em um horário que já anoiteceu.

O que diz a Polícia Civil?

Em entrevista ao Folha Norte SC, a delegada Milena Fátima Rosa, da Polícia Civil de Itapoá afirmou que, de fato, houve um crime sexual contra uma mulher em Itapoá, e que um inquérito foi instaurado pela polícia. A investigação está em segredo de justiça e as informações são restritas.

Desinformação

A delegada identifica que devido a repercussão do ocorrido estão circulando no Facebook e Whatsapp inúmeras informações que ainda não foram apuradas, inclusive, notícias fora de contexto, como a do suspeito investigado em 2013, e falsas, como a de que o suspeito havia cometido estupros em série no município. Desta forma, esta situação também se tornou uma preocupação para a polícia, pois a circulação das informações com fotos de pessoas podem acarretar em acusações falsas e linchamentos.

Cautela

Milena destaca que há necessidade de cautela, pois o suspeito ainda está solto. “Não frequentar lugares ermos, de preferência sair com mais de uma pessoa para proteção”, alertou. 

A delegada destaca que tanto a Polícia Militar quanto a Civil estão trabalhando no caso dentro do município fazendo rondas e investigando minuciosamente a situação. 

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Texto: Herison Schorr

Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc