Andressa Weber Albuquerque, de 15 anos, é considerava uma jovem tímida. Ela mora com a família no bairro Balneário Brasília, em Itapoá. Sua rotina era como de toda jovem de sua idade: escola, passeios e diversão com a família. Porém, no dia 10 de março, ela mudou drasticamente. Após adquirir uma grave infecção no intestino, até esta terça-feira (5), contam-se 108 dias que a jovem está internada em uma sala de UTI. Uma longa jornada de luta pela sobrevivência ao lado de quem lhe deu a vida e lhe daria a própria, caso pudesse: sua mãe, Franciele Weber, de 37 anos. Como um alento, Franciele buscou nas redes sociais o apoio emocional para superar os momentos, que seriam difíceis.
A primeira manhã
Andressa, ou ‘Deda’, como é apelidada pela família, amanheceu o dia 8 de março sentindo fortes dores na barriga. Nos dois dias seguintes, foi levada por sua mãe ao PA 24h do município onde, segundo ela, a filha recebia remédios para dor e era enviada para casa.

A manhã do dia 10 começava como todas as outras. Franciele levantou para medicar a filha com insulina, auxiliando em seu tratamento de diabetes, mas Deda parecia dormir profundamente. Ao ver que a filha desfrutava do sono, a mãe optou por deixá-la dormir por mais algumas horas. Um gesto inocente, comum nas famílias, mas que ainda lhe causa arrependimento.
“Quando deu 10h30min, ela começou a respirar muito estranho e não acordava mais; aí o desespero bateu. Levei ela desacordada ao PA e ali ela já foi entubada. Ela estava em coma diabético e soltava um líquido escuro pela boca, até acharam que ela havia tomado veneno”, relatou a mãe.
Imediatamente, a jovem passou por um processo de lavagem estomacal, onde foi constatado que aquele líquido misterioso não parava de vazar do corpo. Seu estado foi considerado grave e havia a necessidade de encaminhá-la, o quanto antes, para um hospital, em Joinville, transportada por uma UTI móvel. Segundo a mãe, o veículo estava, naquele momento, em Mafra. “Tínhamos que esperar, e foram as horas mais longas da minha”, lamentou.
Ao chegar no Hospital São José, a jovem foi submetida ao teste de covid. Mas, de acordo com a mãe, o diagnóstico foi um ‘falso positivo’, o que impossibilitou-a de ficar ao lado da filha em um momento crucial na vida dela. “Eu implorei pra ver ela, mesmo sendo na ala covid, mas… Mãe é mãe”, frisou.
Ao ser autorizada, Franciele deparou-se com uma imagem que dificilmente se esquecerá, ao ponto de negar-se a acreditar que aquela moça desacordada na maca era sua filha. “Eu dizia que não era ela, minha filha não era aquela pessoa inchada ali. Reconheci ela pela tatuagem no braço e uma marca de nascença”, complementou.
Franciele retornou para casa com a promessa de que receberia notícias da filha nas próximas horas, por meio de ligações. Pela madrugada, o tempo corria tortuoso, com a falta de notícias da jovem. Às 1h36min, o telefone toca. Era do hospital. De acordo com os médicos, após uma tomografia, encontraram uma grande massa escura no abdômen de Andressa.
“A médica falou assim pra mim: ‘Mãe, você tem fé? Eu disse: sim, lógico; ela falou: assim, sua filha vai entrar no centro cirúrgico, peço pra mãe rezar muito por ela, pois é provável que ela não tenha muita chance de sair de lá. Rezem, rezem muito’. Meu desespero foi além de tudo, eu e o pai dela passamos a noite chorando e pedindo a Deus pela vida dela”, lembrou.
Naquela mesma noite, Frannciele foi medicada para poder dormir, um sono que não durou muito. Na tarde seguinte, o telefone toca novamente; os médicos haviam descoberto o problema de Andressa: uma trombose no intestino que, segundo eles contaram para a mãe, é extremamente raro ocorrer em mulheres, ainda mais numa jovem sem começar o ciclo menstual.
“Eu perguntei: ‘E o que fizeram?’ Ele disse: ‘Ela perdeu dois metros de intestino necrosado e isso pode chegar até matar ela’”, afirmou.
Mãe de UTI
Sobrecarregada com as notícias negativas que vinham do hospital, somado ao sentimento de culpa e as inúmeras perguntas que recebia de amigos e familiares sobre o estado de saúde da filha, Franciele decidiu tomar uma decisão: expor sua íntima e dolorosa rotina no Facebook para que todos pudessem acompanhá-la. “Mãe de UTI”, foi um termo que passou a se intitular.

Em uma primeira publicação, houve um pedido de desculpas à filha. A resposta do público foi um apoio fundamental para a mãe dolorosa. “Tive tanto carinho e apoio de tanta gente boa de coração bom”, destacou.
Uma despedida
Na manhã do domingo daquela semana, a família recebeu uma nova ligação do hospital. Era um pedido de que fossem com urgência para lá. “Na mesma hora, falei que não iria, pois nunca é notícia boa quando chamam, mas, fomos, dois pais doidos dirigindo, mas Deus é tão bom que deu uma firmeza e paz ao pai dela, e fomos guiados por Ele. Chegando lá, tivemos a pior notícia: um médico falou assim: ‘Nós chamamos vocês para se despedir dela, pois ela irá fazer uma hemodiálise e não sabemos se consegue resistir ao procedimento’. Voltei lá pro fundo do poço”, lamentou.
A mãe conta que outro médico repreendeu as falas do profissional, devido a abordagem insensível, e tentou consertar o erro do colega de trabalho, dizendo: “Mãe, entre lá e diga a sua filha que você está ali com ela, e por ela, e que juntas íamos ser mais forte, e consegui sair dali juntas, que ela podia contar comigo e com pai dela”, contou sobre as falas do médico.
Franciele afirma que aquele foi o domingo mais longo de sua vida, pois passaram-se seis horas do procedimento. Na madrugada seguinte, uma nova notícia. “Quando era 1h57min da manhã, eles me ligam dizendo que ela foi muito forte e resistiu”, disse aliviada.
Nos 17 dias seguintes, a mãe só recebeu notícias da filha por telefone, pois foi recomendada a não fazer visitas frequentes, devido a suspeita de covid que ainda havia sobre a menina. Com o resultado negativo de um novo teste, Franciele pôde conviver novamente com Andressa, ainda que em poucas horas em uma sala de UTI.
O telefone toca
Era noite de 26 de março quando Franciele recebe uma nova ligação do hospital. Mas, dessa vez, a notícia parecia ser promissora. Alguém despertava, sutilmente, do coma. Após 20 minutos, uma nova ligação: Deda havia aberto os olhos, completamente. A mãe conta que passou mais uma noite em claro; o horário de visitas seria só no outro dia, às 15h. Um momento esperado a cada segundo até o momento acontecer. Ao se aproximar do leito da filha, um gesto.
“Chamei o nome dela, ela abriu os olhos logo, já choramos demais, e eu só agradecia a Deus por ter me devolvido ela a mim”, agradeceu. De acordo com as profissionais, Deda acordou naquela noite assustada, com medo, e chorando muito; procurando com os olhos pelo paradeiro da mãe. O despertar dela foi visto pela família como um suspiro de esperança, após longos dias de apreensão. “Só queria agradecer a cada um que de uma forma ou outra ajudou ela, principalmente, em orações e energias positivas”, disse.
A campanha
As notícias sobre a estadia de Deda na UTI publicadas por sua mãe passaram a ser mais promissoras. A comunidade instigava-se ainda mais a acompanhar cada detalhe contado sobre a menina que via o dia passar em um quarto fechado.
Ao criar um vínculo afeitvo em torno de sua comunidade, a mãe passou a receber não só apoio emocional, mas, também, financeiro. As constantes viagens de Itapoá a Joinville, com custos de R$150, e a compra de remédios, apertaram o orçamento da família. Outro custo que surgiu foi a necessidade da construção de um quarto adaptável para Deda, que deverá continuar o tratamento no lar por mais dois anos.

Vendo que a família possui poucos recursos, a comunidade de Itapoá se mobilizou e criou um bingo solidário, que ocorrerá neste domingo (10), às 14 horas, na Arena Itapoá.
(mãe fala sobre bingo)
Uma recaída
Deda completava seu 40º dia de internação, na UTI, quando foi estubada, após constatarem que os tubos estavam ferindo a menina; imediatamente, ela foi submetida a uma traqueostomia. Quatorze dias depois, os médicos notaram uma hemorragia na jovem, em um ponto de sua barriga.

Uma nova cirurgia foi realizada onde foi descoberto que havia uma nova e grave infecção nos órgãos que pararam de funcionar e começaram a aderirem uns aos outros. Ao todo, foram cinco procedimentos cirúrgicos nessa fase, que, no total, somam-se 15 durante todo o período no hospital.

Foto: Redes Sociais
A tarde do 62º dia havia chegado. Seria mais um momento comum de visitas para a mãe. Deda estava em tratamento com a fono quando esta revelou que havia uma surpresa.
“‘Te amo mãe, estava com saudades’. Só de ouvir ela, já chorei. E foi pra mim o renascer dela. Ali eu vi que Deus não iria me abandonar. O dia estava com um Sol tão lindo, e com aquilo ficou mais ainda”, contou a mãe ao ouvir a voz da filha depois de dois meses.
Um olhar no jardim
Angustiada pelos dias que permanecia em um quarto, Deda passou a chorar pedindo pela oportunidade de ver a vida lá fora. No 70º, seu pedido foi atendido pela equipe médica, que a levou de maca a um passeio no jardim do hospital. “Ela só chorava, achava tudo mais lindo, mais vivo. Pegou uma flor e me deu na hora que cheguei”, acrescentou Franciele.
A recuperação de Deda seguia passos largos. As conversas tornaram-se mais duradouras, a diabetes estava controlada, assim como a infecção; ela já estava fora do respirador há mais de 72 horas. Todos estes requisitos foram fundamentias para Deda recebar alta da UTI e continuar a recuperação em um quarto. A notícia foi recebida pela mãe com muita felicidade, acompanhada das noções de uma nova realidade de cuidados que deveria ter com a filha.

“Aprendi muito ali: a posição que ela mais gosta; a fazer curativo; ajudar a enfermagem a trocar roupa de cama; a trocar a fralda dela, pois ainda usa; aprendi a esvaziar as bolsas de ileostomia… Foi a semana mais cansativa que eu tive na vida”, afirmou. Sobre a questão de reviver o período que trocava as fraldas da filha quando ela era bebê, Franciele completou: “A enfermeira colocavam luvas e tudo mais, eu não me ligava nisso, era tão normal pra mim quando era ‘nenê’ que, quando elas falaram, já tinha mudado tudo; eu só falava que era só lavar a mão e passar algo, que estava limpo”, contou.
As conversas de mãe e filha
Confidências, brincadeiras de pintura e com ursos de pelúcia. Assim que Franciele teve a oportunidade de passar mais tempo com a filha, as duas puderam retornar a ligação que sempre tiveram. “A sensação de dormir junto dela depois de mais de dois meses foi a melhor”, ressaltou.

Em uma das conversas, a mãe teve que fazer o papel de orientadora, contando tudo o que ocorreu com a filha, desde aquela dor de barriga, sentida por ela em março, além dos desafios que Andressa enfrentaria em sua vida a diante, mas sempre com a força do apoio da mãe.
“Quando eu chego nas visitas, além de abençoar ela, a gente cruza os dedos mindinhos e falamos: eu falo: ‘Eu por você; ela: ‘Eu por nós’; nós duas: ‘Por tudo e por todos, juntas somos mais’; e o famoso coração com as mãos”, revelou.
Oscilação
A rotina de uma mãe de UTI encara a realidade de que os riscos podem ser constantes, vivendo com a certeza de que poderá haver as melhoras, mas, também, as pioras. Entre altos e baixos.
Nas últimas semanas, Deda teve que retornar à UTI duas vezes: devido à suspeita de uma pneumonia e por uma nova infecção no abdômen. Até o encerramento dessa reportagem, ela ainda permanece na Terapia Intensiva. “Rezem mais, espere mais, Deus está agindo; o agir Dele será lindo”, encerrou a mãe.
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Texto: Herison Schorr
Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc