Um novo susto que tornou-se frequente e desperta traumas ainda não cicatrizados. O mês de março trouxe para Campo Alegre uma memória viva de como a natureza pode ser destrutiva sobre a força de um tornado. Na tarde do dia 3, os moradores do município presenciaram rajadas de vento intensas, mais precisamente na localidade de Campos do Quiriri, entre às 16:30 e às 17:00. Árvores foram arrancadas, casas destelhadas e a fiação de luz foi danificada.
André Stefanes, chefe da Defesa Civil Municipal, conta que depois de analisar as imagens dos produtos do radar meteorológico de Lontras, em conjunto com a análise de vídeos e fotos recebidas do ocorrido, a equipe de meteorologistas da DC/SC concluiu que os ventos estimados foram em torno dos 100 km/h e que há a assinatura tornádica nas imagens. Assim, o evento foi classificado como tornado: Cobrade 1.3.2.1.1. O segundo em menos de um ano.

Maio de 2022
O domingo de 29 de maio amanheceu silencioso em Campo Alegre. Tempo nublado e temperatura amena instigavam a população a acreditar que seria mais um dia típico de outono. Lareiras e fornos à lenha acesos despejavam sobre os telhados a fumaça que, aos poucos, era soprada para mais distante das casas, acompanhada de um som incomum. Algo estava para acontecer.
“Era umas 4 horas da tarde de domingo, eu e meu sogro fomos até o galpão onde ficam as vacas de leite, as quais íamos tratar. Aí começou a chuva muito forte e logo em seguida granizo e o vento”, lembrou o empresário Josiel Dziedicz, de 33 anos, morador de Bateias de Baixo
Em questão de segundos, o vento adquiriu intensidade tornando-se um fenômeno que dificilmente será esquecido pela população de Campo Alegre: um tornado da categoria F0, com ventos próximos aos 100.
“Era muito forte, não sabíamos o que fazer, onde se abrigar; começou a destelhar o galpão onde estávamos. Vi o telhado da minha casa ir embora, minha esposa e meu filho de 1 ano e dois meses estavam lá sozinhos”, relatou o empresário que viu um pinheiro cair próximo da janela por onde a família olhava a destruição do evento.
Foram minutos de desespero. Enquanto o tornado estava sobre sua casa, Josiel sentiu-se incapacitado em fazer algo pelos seus, que estavam dentro dela. “Só pedia pra Deus acalmar o vento a chuva pra mim poder ver os dois. Era muita árvore, pinheiro caindo, galho pra todo lado, não tinha o que fazer, foi momento de terror”, disse.

Josiel e o sogro abrigaram-se atrás da caçamba do trator, local que, segundo ele, era o mais seguro que encontraram para abrigar naquele momento repentino. Segundo o empresário, a tempestade ocorreu em questão de minutos, deixando o local em seguida.

Imediatamente, correu para dentro de casa e encontrou a esposa e o filho escondidos em baixo da mesa, rodeado por destroços. Aliviado com a constatação de que todos sobreviveram, os momentos seguintes foram de avaliação dos estragos e a reparação deles.
“A minha serraria está sem telhado, não tenho como trabalhar; os galpões, aqui do meu sogro, também estão todos sem telhado. Foi um prejuízo grande”, lamentou o empresário que não possui seguro de seus bens.
Outros danos foram dentro de casa, pois, sem o telhado, a chuva molhou os móveis. Para dormir na noite de domingo, Josiel colocou um plástico acima do quarto, para não molhar a família com a chuva que ainda caia. “Passamos a noite ali, mas o resto da casa era só água”, contou.
Ainda assustado, o campo-alegrense conta que, ao observar os estragos feitos pelo tornado, custa acreditar no que aconteceu naquele domingo. Segundo ele, foi a primeira vez que vivenciou essa manifestação da força da natureza.
“Foi desesperador, a gente perde o chão”
Lucimeri Lisboa, de 44 anos, estava há dois dias com o marido em São Bento do Sul realizando um curso de capacitação. Haviam mudado-se há dois anos para Tarumã, interior de Agudos do Sul (PR), divisa com Campo Alegre, para tentar uma nova vida como produtores de hidropônicos. O investimento foi significativo, e a família ainda conseguia gerar, aos poucos, os primeiros lucros com as vendas.
O dia do retorno para casa estava marcado para o final da tarde de domingo. A tranquilidade da viagem de regresso deu lugar a uma tensão que surgiu durante o trajeto, quando o casal começou a observar galhos caídos sobre a estrada. Nos quilômetros seguintes, pinheiros inteiros a postes caídos na rua impediam a passagem. Ao observar ao redor, casas estavam sem os telhados.

Com as estradas bloqueadas por árvores, Lucimeri e o esposo só conseguiram seguir viagem no terceiro caminho que encontraram, ainda assim, havia uma árvore sobre a rua, a qual conseguiram retirar. Chegando próximo da propriedade, surge um novo obstáculo.
“Bem perto de casa, caiu, de novo, uma árvore com um monte de fio de luz no caminho, aí ninguém queria encostar, pois estavam com medo. Sabíamos que nosso filho estava em casa sozinho, e tinha uma ligação do vizinho, mas estava tudo sem luz e sem área, a gente não conseguia falar com ninguém”.
Preocupados, o marido de Lucimeri a deixou no carro e seguiu até a casa, pelos carreiros, na tentativa de buscar por notícias do filho. Ao chegar, encontrou o resultado da passagem da tempestade por sua propriedade.
“Foi desesperador, a gente perde o chão”, lamentou.
Após um eletricista retirar os fios, a empresária prosseguiu rumo à sua casa e constatou que daquele momento em diante viveria uma nova realidade. “Você não sabe o que pensar. Eu corri para ver meu filho e ele me disse que o vento foi muito forte. ‘Parecia que o tornado estava dentro da casa dele’’, completou. Com detalhes, a mãe ouviu os relatos do filho.
“Ele estava em casa, no notebook, e estava um dia normal, não escureceu muito. Até que começou a cair pedra, e assim já veio o vento e já quebrou a janela, já veio pedra na janela, e o notebook, que estava em cima da mesa dele, atravessou a porta de vidro da sala e foi parar lá fora, e outras coisas de dentro de casa. Ele tentou entrar debaixo da mesa, mas estava cheia de caco de vidro, aí ele puxou a geladeira onde tem do ‘ladinho’ um fogão à lenha e ali no canto ele ficou. Colocou uma cadeira pra se proteger. O cachorrinho que estava em casa, colocou debaixo do fogão à lenha pra não cair telha nele. Ele não enxergava nada, parecia uma nuvem branca, voando tudo”, detalhou.
Com o telhado da casa danificado e os móveis encharcados pela chuva, a empresária optou por dormir aquela noite na casa da sogra. No dia seguinte, Lucimeri teve uma real constatação dos estragos resultantes do tornado. De acordo com a empresária, os prejuízos passam dos R$ 300 mil.

Perguntado sobre aos percepções para o futuro, a moradora enfatiza que, quando pensa daqui para frente, vive uma mistura de pensamentos.
“Às vezes, você chora, fica triste; às vezes, você se encoraja, bola ‘pra frente’ (pensa), seja o que ‘Deus quiser’; às vezes você fica com medo (…). Contra Deus, a gente não consegue, a força dele é maior sempre, a gente precisa respeitar, por mais que doa” refletiu.
Vaca aborta devido ao susto
O agricultor Leandro Augustim, de 23 anos, também estava fora de casa quando o evento varreu sua propriedade em questão de minutos, no bairro Bateias de Baixo. “Sair de casa com tudo em ordem, voltar e não ter mais nada é triste”, destacou em primeiro momento.
Segundo Leandro, o estrago foi significativo. Telhado e até o forro foram arrancados. Móveis ficaram molhados, impossibilitando-os de dormirem na casa.
O paiol onde fica o maquinário foi ao chão e o galpão onde ficam as 50 vacas de leite também ficou destruído. O agricultor revela que, devido ao estresse causado pelo susto, algumas vacas ficaram doentes e uma chegou a abortar. Os prejuízos passam dos R$ 50 mil, afirmou.

Tudo era novo, como a casa construída há dois meses atrás. Devido às dívidas da construção, o campo-alegrense afirma que não há saldo em caixa. Para fazer os reparos básicos, está recebendo doações de familiares e amigos, à medida que tenta esquecer do pesadelo vivido.
“Ainda não consegui dormir. As imagens não saem da minha cabeça, não sei como fazer para pagar tudo o que devastou, realmente está tudo abalado e bagunçado”, lamentou.
Para ajudar Leandro a custear o valor do telhado, entre em contato pelo WhatsApp (47) 99673-7567.
Apenas visto na TV
A vereadora Margarete Azeredo Augustin, de 49 anos, estava em casa com a família quando ouviu um barulho estranho. Ao olhar pela janela da cozinha, reparou no céu escuro e no som que se intensificava, varrendo as árvores abruptamente para o chão.
“Foram momentos de pânico, imagina, você dentro de casa e, de repente, dois pinheiro caíram em cima da casa. Você não sabe pra que lado correr”, destacou.
Também foram contabilizados quatro minutos de ventania, que resultaram em cerca de 800 telhas quebradas após a passagem do tornado. A chuva adentrou seu lar, molhou móveis e avariou o piso laminado. Dezenas de árvores que ornavam o contorno do lar foram ao chão, retorcidas e quebradas ao meio. Uma cena assustadora nada parecida com aquela tarde tranquila, como enfatizou. Por dois dias, a família ficou sem água e luz, com fios e canos danificados pelo tornado.
“Já estava um desespero com a bagunça e ainda sem luz, no escuro”, destacou.
Ainda abalada, Margarete afirma que nunca presenciou nada assim, a não ser pela TV.
“É muito assustador. Aqui em Campo Alegre aconteceu uma vez há anos atrás, não lembro, derrubou várias árvores, mas foi longe de onde eu moro e não foi forte como esse. Mas eu sempre digo: por mais triste que seja, o importante é que ninguém se machucou; bens a gente reconstrói”, encerrou.
Texto: Herison Schorr
Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc
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