“Olha só quem chegou pra somar com vós; olha só quem chegou pra soltar a voz”. Das primeiras frases que somam-se às suas rimas, da primeira canção composta após um abalo familiar, de todas as chances que o rap lhe deu para expressar-se. A rapper argentina de alma brasileira Leida Daiana Alvarez Ibacache, de 34 anos, desembarcou em Garuva no ano de 2018 com o sonho de revigorar a vida da família. Mas sua história com o Brasil é mais anterior, do início da década de 90, quando emigrou para o país. Um país que a apresentou o estilo das ruas e lhe deu um novo nome: Rapper Leidy.
Diarista e compositora, dedica suas mãos ao trabalho braçal, entre limpezas e organizações, das vassouras aos panos; e às canetas, descrevendo suas vivências, seus sonhos em suas lutas nos versos da poesia urbana. A vida seguia corriqueira, dividindo-se entre o sonho da ascensão com a música e a real necessidade da emergência de pôr comida na mesa, para suas duas filhas adolescentes. Até que, em 2020, sua estabilidade, ainda que delicada, é varrida para dentro de uma casa abandonada. Após a passagem do ciclone-bomba, em junho daquele ano, assim como diversas famílias, Leida e sua mãe perderam seus lares, obrigando-as a buscar abrigo em um casebre abandonado à beira da BR 101.

Ao adentrar no que se tornou a nova casa das famílias, com 11 pessoas, Leida desviava dos incontáveis buracos no assoalho, onde a vegetação também ocupa uma parte, assim como os insetos que adentravam pelas frestas. Com olhos no céu, o encontrávamos quase por completo, emoldurado pelo que era um forro e um telhado.
E era observando esta obra de arte de poucos apreciadores que a compositora se lembrava de um desejo: ” Implantar uma casa de hip hop em Garuva, Santa Catarina”. O cenário era desolador, desmotivador. A imaginação, o senso de vislumbrar o mundo para novas composições, não havia espaço para frutificar, fazendo a mulher mergulhar em uma depressão silenciosa. “Eu, por muitas noites, chorei sozinha pra ninguém da minha família não ver que eu desisti”, revelou.
Uma chance para si
A realidade, ‘aquela neblina que camufla o horizonte’, e a depressão sopravam nos ouvidos de Leida a possibilidade dela desistir. Estava convencida disso. “Comecei a me sentir no automático, sabe, como um robô. Sem identidade, me vi numa depressão que não tinha fim”, lamentou.

Mas uma visita advinda do Paraná, trazendo consigo longa estrada de experiências com o rap, com ênfase ao espaço feminino conquistado no setor, soprou possibilidades em seu outro ouvido. Tipo benzetacil, tão dolorosa mas necessária para sarar dores infecciosas, os conselhos foram essenciais para fazer Leida levantar-se e agarrar as canetas esquecidas. Ao seu redor, estavam os irmãos, as filhas e a sua mãe mostrando-se agentes fundamentais para a conquista de sua redenção.
Olhos no passado
Prestes a dar passos necessários em direção daquele almejado sonho apontando sob os olhos, era necessário olhar o passado, revigorar-se dos alicerces que a trouxeram para o hoje.
Rapper Leidy conheceu o estilo musical aos 5 anos, em Ponta Grossa (PR), ouvindo-o do vizinho e identificando-o como um mecanismo de expressão da realidade do povo periférico. Uma voz para ser ouvida. À medida que desbravava o estilo, que permeia não apenas a música, mas as vestes e o modo de se falar, Leida encontrou-se nas vozes de duas rappers: Cris SNJ e Karol Kolombiana. Eram mulheres com histórias semelhantes, contando sobre elas, para elas e para eles.

Aos 22 anos, marcada pelos traumas da infância, em uma rotina marcada por um pai alcoólatra e violento e uma mãe adoecida e responsável, sozinha, para criar os filhos, Leida arriscou-se mostrar as primeiras dores que habitavam seu interior.
“Quando criança a mídia me dizia
Que no final tudo certo daria
No meu castelo foi tudo diferente
Meu rei tava bem longe do que eu tinha em mente
Embriagado na rainha batia
Que lamentava as dores que sentia…”
A redenção
Janeiro de 2021 iniciou necessário na vida da rapper. Fervilhava em sua cabeça aquela mesma vontade de libertar o que tinha dentro de si. Passou janeiro, chegou fevereiro. Uma nova composição estava pronta. Seu tema: a perseverança das mães solos. “É sobre mim, sobre minha mãe que me criou sozinha, e sobre todas as mães solteiras que criam seus filhos sozinhas”, enfatizou. Em abril daquele mesmo ano, com 34 anos, Leida se tornava avó e sogra.

Sua voz foi lançada à sorte e, com ela, o seu nome artístico. Viajou distante, sem precedentes. Por onde passava, despertava interesse de quem passou a puxar o fio da meada para redescobrir a dona das rimas. Outras oportunidades vieram ao seu encontro com convites para participar de trabalhos com rappers já consagrados no cenário nacional, com destaque para as lives que participou durante o período de pandemia.
“A gente cantando músicas de outros artistas, conhecendo várias pessoas, por consequência e talento estou alcançado e chegando em lugares que nunca imaginei”, destacou.
No final de 2021, um reconhecimento a consagrou: o troféu Arte em Movimento, na categoria rap feminino. Foi buscá-lo em São Paulo. Leida era a única representante de Santa Catarina. Nas inúmeras andanças, conheceu pessoalmente sua inspiração: Cris SNJ, com quem, agora, planeja trabalhos futuros.

O ano de 2022 também surgiu um tanto promissor no calendário. Já compôs duas músicas e está de viagem marcada a São Paulo, para buscar seu segundo prêmio, na mesma categoria do rap nacional. Em fevereiro, foi contemplada pela lei Aldir Blanc, onde teve a oportunidade de gravar seu primeiro clipe com uma música autoral: “Rapper Leidy Passos Certos”.
O rap como voz e transformação
Além de um instrumento de expressão sobre sua realidade, Leida descreve o rap como uma chance quase mágica de interação com o alheio. “Até com pessoas desconhecidas que escutam a minha música e sentem como se fosse delas que estou falando”, contou.
Outra experiência que o estilo é capaz de gerar em sua vida, segundo a rapper, é a capacidade que ele tem para empoderá-la. “Um sentimento que me transformou e mudou o jeito de eu pensar, de ver a vida de uma forma melhor, e ter esperança. Pois na minha voz achou forças pra lutar e não desistir; cada dia é um dia”, agradeceu.
Talvez seja isso que atraia, a cada virada de ano, o público jovem para ao estilo, trazendo com eles outros temas atuais, como o empoderamento feminino. “Não é só do crime e drogas que o rap fala, hoje tem inúmeras temas no rap nacional com letras conscientes”, ressaltou.
Sobre os velhos sonhos, Leida ainda trabalha como diarista, ainda pensa em uma escola de hip hop para alunos de Garuva; às realidades que já alcançou, dona da Serra, suas conquistas assemelham-se com as outras que vêm ocupando espaços “das minas que predominam.”
Como mencionado na reportagem, Leida pretende viajar entre os dias 29 e 30 de outubro para receber seu segundo troféu Arte em Movimento. Com poucos recursos para pagar a passagem e hospedagem, a rapper disponibilizou seu pix/whatsapp 47 999946787 para quem quiser ajudá-la com os custos.
Texto/Herison Schorr
Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc
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