“Assisti a epidemia de dengue em Santa Catharina em 1889. Em menos de quarenta e oito horas vi fallecerem quatro doentes, seleccionados pelo moléstia os robustos, fulminados em poucas horas e apresentando temperatura de 43 centígrados”. Com esse relato inicial, o Segundo Chefe do Corpo de Saúde da Armada Brasileira, Almirante Doutor João Francisco Lopes Rodrigues, descreveu o que presenciou ao aportar em Desterro, atual Florianópolis, durante uma epidemia de dengue que assombrou a ilha, naquele ano, e o serviu como estudo para, posteriormente, a publicação de um artigo científico sobre a doença que ainda era desconhecida no Brasil.

Gravura de Desterro, no século XIX. Ilha foi acometida por uma epidemia de dengue em 1889. Acervo/Carlos Damião
Os relatos foram publicados pelo jornal O Commercio, do Rio de Janeiro, e replicado no periódico catarinense O Estado, em outubro de 1918. A temática surgiu durante a epidemia histórica de Gripe Espanhola, vivenciada pelo almiranda à bordo de navios de guerra e que se alastrava pelo planeta após a 1ª Guerra Mundial, vitimando os primeiros catarinenses.

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Segundo o almirante, naquele ano, antes da explosão de casos de dengue, fazia um calor acima da média em Florianópolis e, devido a sensação de abafamento, que perdurava noite adentro, a população optou por dormir com as janelas das casas abertas. Uma brecha para a entrada de diversos insetos, como o próprio mosquito Aedes aegypti. Dias depois, a doença começou a se manifestar, primeiramente, na zona urbana, acometendo famílias inteiras.

Mortes por dengue assombram moradores de Floripa desde o século XIX. Acervo/Jornal A República
“Depois a epidemia se alastrou para a Praia de Fora – ao Sul da ilha – e nenhum caso restou na cidade”, onde, posteriormente, desapareceu repentinamente, relatou o médico.
Durante a descrição, Rodrigues acreditava que a doença pôde ter sido levada pelo vento marítimo do centro de Desterro para as regiões mais ao Sul, estimuladas pelo calor atípico que ocorria naquele período.
Polka Zamparina, Schottisch e Febre dengue
Eu seu trabalho de mestrado “A febre dengue em Curityba, de Trajano Joaquim dos
Reis”, o historiador Jorge Tibilletti de Lara relata a publicação de um estudo científico realizado pelo médico em Santa Catarina, durante a epidemia de 1889. Segundo o trabalho, o estudo clínico sobre a epidemia de “febre dengue” no estado foi corroborado pelo Dr. Carlos Costa no Anuário Médico Brasileiro, onde a enfermidade foi denominada de “Maria Ignacia”, “corrupção talvez da palavra malignaceas”, sugeriu Trajano. Na pesquisa, o médico confronta os sintomas da dengue com os das febres palustres e febre amarela .

Jornal O Commercio. Santa Catharina. Outubro de 1889.
“A epidemia da moléstia que narra teria ocorrido por condições meteorológicas, principalmente pela elevação da temperatura e pelo sopro dos ventos do quadrante Norte, considerados morbígeros. “Julga ser a Dengue ou a Febre Dengue, que tem visitado o nosso país com o nome de Polka Zamparina ou Schottisch – “escocês” na língua alemã -; que no seu modo de pensar é uma moléstia Toxi-infecciosa”, relatou o historiador em seu trabalho de pesquisa.
História da dengue no Brasil
Em um artigo publicado pelo Instituto Oswaldo Cruz, a história da dengue no Brasil inicia com as grandes navegações coloniais. O mosquito transmissor da dengue é originário do Egito, na África, e vem se espalhando pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta desde o século 16, período das Grandes Navegações. Admite-se que o vetor foi introduzido no Novo Mundo, no período colonial, por meio de navios que traficavam escravos. Ele foi descrito cientificamente pela primeira vez em 1762, quando foi denominado Culex aegypti. O nome definitivo – Aedes aegypti – foi estabelecido em 1818, após a descrição do gênero Aedes. Relatos da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) mostram que a primeira epidemia de dengue no continente americano ocorreu no Peru, no início do século 19, com surtos no Caribe, Estados Unidos, Colômbia e Venezuela.
No Brasil, os primeiros relatos de dengue datam do final do século XIX, em Curitiba (PR), e do início do século XX, em Niterói (RJ).
No início do século XX, o mosquito já era um problema, mas não por conta da dengue — na época, a principal preocupação era a transmissão da febre amarela. Em 1955, o Brasil erradicou o Aedes aegypti como resultado de medidas para controle da febre amarela. No final da década de 1960, o relaxamento das medidas adotadas levou à reintrodução do vetor em território nacional. Hoje, o mosquito é encontrado em todos os Estados brasileiros.Segundo dados do Ministério da Saúde, a primeira ocorrência do vírus no país, documentada clínica e laboratorialmente, aconteceu em 1981-1982, em Boa Vista (RR), causada pelos vírus DENV-1 e DENV-4. Anos depois, em 1986, houve epidemias no Rio de Janeiro e em algumas capitais do Nordeste. Desde então, a dengue vem ocorrendo no Brasil de forma continuada.
Pesquisa de 1908 já descrevia características do A. aegypti
O verão de 1908 deixou a população carioca em alerta pelo risco da febre amarela. Foi nesse contexto que Antonio Gonçalves Peryassú, pesquisador do então Instituto Soroterápico Federal, que ganharia o nome de Instituto Oswaldo Cruz (IOC) naquele mesmo ano, fez descobertas sobre o ciclo de vida, os hábitos e a biologia do A. aegypti. Seus estudos foram fundamentais para a erradicação do mosquito em território nacional nas décadas seguintes e ainda hoje norteiam as pesquisas sobre o controle do vetor.Numa monografia com mais de 400 páginas, intitulada Os Culicídeos do Brasil, o entomologista descreveu os hábitos do A. aegypti e de uma série de outros mosquitos da mesma família, apresentando aspectos nunca antes observados de sua biologia. Durante dois anos, Peryassú realizou uma série de experimentos com o A. aegypti. Seu estudo trouxe preciosas informações sobre aspectos como a resistência à dessecação do ovo do mosquito, que pode ficar até um ano sem contato com a água. Também fez observações quanto à produtividade dos criadouros, questão ainda debatida na atualidade, afirmando que, em geral, grandes reservatórios de água são os focos mais produtivos do vetor.
Reprodução de imagem do livro
Os Anophelíneos do Brasil, de Antônio PeryassúDiversas características do Aedes aegypti observadas pelo pesquisador Antonio Peryassú (no centro, de paletó, durante trabalho de campo) continuam sendo estudadas até hoje Entre suas mais interessantes descobertas estão, também, a relação do mosquito com a temperatura e a densidade populacional. Ao realizar o primeiro levantamento detalhado da infestação do mosquito no Rio de Janeiro, o pesquisador associou a maior presença do A. aegypti ao aumento da densidade populacional de certas áreas da cidade e também mostrou a similaridade entre o mapa da concentração da população do inseto com o da ocorrência de casos de febre amarela. Suas observações mostraram, ainda, que a queda da temperatura ambiente para menos de 20oC interfere no desenvolvimento e na reprodução do mosquito, que se reduzem drasticamente, levando a uma redução dos casos.
As descobertas de Peryassú deram ainda mais força à campanha movida pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz para eliminação do mosquito, que foi controlado na década de 1920 no Rio de Janeiro e considerado erradicado do Brasil pouco mais de trinta anos depois. A maioria dos pontos levantados em suas pesquisas continua na agenda científica dos especialistas que hoje buscam desenvolver estratégias de controle do mosquito transmissor da dengue.
Artigo publicado pelo Instituto Oswaldo Cruz.
Texto: Herison Schorr
Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc
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