A assustadora maioria de pais de Garuva e SFS que optaram não vacinar filhos contra pólio

Comportamento é observado em todo o país e fez Ministério da Saúde prorrogar campanha de vacinação contra a paralisia infantil

A campanha de vacinação contra a poliomielite, causadora da paralisia infantil, começou em todo o território nacional no dia 8 de agosto e tinha como previsão de término esta sexta-feira (9). Mas a aproximação dos últimos dias da campanha revelou uma constatação assustadora em muitos municípios brasileiros, assim como em Garuva e São Francisco do Sul: segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde, das 1.261 crianças de Garuva – entre 1 a 4 anos – propensas a receber a primeira dose e o reforço contra a doença, apenas 510 foram imunizadas, o que corresponde a 40,44%. Em São Francisco do Sul, que tem uma população de 3.154 crianças propensas a receber a vacina, o cenário é ainda pior: apenas 24,03% foram imunizadas (758 crianças).

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O comportamento arriscado de pais garuvenses e francisquenses é o oposto do observado na vizinha Itapoá que, com 1.176 crianças na faixa etária de vacinação, chega a 81,12% (954) de imunização, mas está de acordo com o reflexo observado em todo o Brasil que, até o momento, tem uma cobertura vacinal de apenas 37,99% contra uma doença que ceifou infâncias do país nas décadas de 60, 70 e 80, e deixou marcas.

Com a falta de interesse dos pais em proteger os filhos, a poliomielite, que foi erradicada do Brasil na década de 90, em um período que a cobertura vacinal entre as crianças chegava a 96%, já dá sinais de retornar.

Risco de reintrodução

Uma cobertura vacinal baixa aumenta em muito as chances do retorno do vírus ao país. Por exemplo, em fevereiro de 2022, as autoridades do Malawi, na África, declararam um surto de poliovírus selvagem tipo 1, após a doença infecto-contagiosa ser detectada em uma criança de 3 anos. A menina sofreu paralisia flácida aguda, uma das sequelas mais graves da enfermidade, a qual, muitas vezes, não pode ser revertida. 

Gerações passadas cresceram com sequelas da poliomielite. Foto/Reprodução

O último caso de poliomielite no país africano havia sido notificado em 1992, e a África toda declarada livre da doença em 2020. A cepa do vírus responsável por esse caso está geneticamente relacionada à cepa circulante no Paquistão, um dos dois países do mundo, junto com o Afeganistão, onde a pólio continua endêmica.

“Enquanto a poliomielite existir em qualquer lugar do planeta, há o risco de importação da doença. É um vírus perigoso e de alta transmissibilidade, mais transmissível do que o Sars-CoV-2, por exemplo. Estamos com sinal vermelho no Brasil por conta da baixa cobertura vacinal, e é urgente se fazer algo. Não podemos esperar acontecer a tragédia da reintrodução do vírus para tomar providências”, afirmou Fernando Verani, pesquisador em saúde pública.

A opinião é compartilhada pela pesquisadora Dilene Raimundo do Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). “A pandemia veio acentuar ainda mais a vulnerabilidade das populações em relação às doenças infecciosas. Hoje, o deslocamento de pessoas é muito mais fácil e rápido, logo, a possibilidade de circulação do vírus aumenta. Há uma grave possibilidade de a pólio ressurgir no Brasil, como foi com o sarampo, em 2018. Por isso, precisamos chamar a atenção para o risco e para a necessidade de vacinação”.

O virologista Edson Elias, chefe do Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), explicou que a vacinação adequada evita, ainda, o perigo de mutação do vírus atenuado da pólio. “Quando a população está com baixa cobertura vacinal, há o risco de mutação do vírus, ao ser transmitido de pessoa para pessoa, tornando-se uma cepa agressiva”, ressaltou.

Devido a baixa procura pelo imunizante contra a pólio, o Ministério da Saúde decidiu prorrogar a campanha até o dia 30 de setembro, oferecendo as vacinas em todas as Unidades de Saúde.

Em agosto, o Folha Norte SC contou a história de Luciane Cordeiro, que nasceu em 1975 quando o Brasil vivia o ano de maior contaminação pelo vírus da poliomielite: 3.596 registros, segundo dados da Fiocruz. Prematura, assim que o frágil corpo recém-nascido deixou o útero da mãe, foi acometido pela doença que, entre 1968 e 1989, afetou 26.827 crianças. A infecção lhe causou sequelas típicas: paralisia; em seu caso, em todo lado esquerdo do corpo, afetando, também, sua visão. 

Luciane Cordeiro foi infectada pelo vírus da pólio ao nascer e carrega eu seu corpo as sequelas da doença. Foto/Acervo

Ao olhar para o passado, ela lamenta a falta de oportunidade que teve de imunizar-se, em um país onde já havia vacina contra a doença desde 1961, mas sem a abrangência e continuidade necessárias para o controle, e carrega ao longo de sua vida a dura rotina de quem foi marcada pela pólio.

Diminuição da procura por imunizantes de crianças é observada em outras vacinas

O estado de Santa Catarina tem identificado uma significativa redução nas coberturas vacinais nos últimos anos, alertou o Diretório de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina. De acordo com a entidade, a pandemia da Covid-19 impactou as ações de imunização, embora a baixa procura pelas vacinas também possa ser explicada pela falsa sensação de segurança causada pela diminuição ou ausência de doenças imunopreveníveis (poliomielite, varicela, sarampo, tétano e muitas outras), movimento antivacinas, desconhecimento da importância da vacinação, falsas notícias veiculadas, especialmente nas redes sociais, e interoperabilidade dos sistemas de informações. 

Tabela apresentada pela Dive aponta diminuição na procura por vacinas para crianças e adolescentes em Santa Catarina. Arte: Dive

A prevenção de doenças infecciosas mediante o processo de vacinação (imunização) é uma das medidas mais seguras e custo-efetivas para os sistemas de saúde, destaca a entidade. “A partir da imunização foi possível evitar milhões de óbitos e incapacidades ao longo da história, seja controlando várias doenças como sarampo, rubéola e poliomielite ou, até mesmo, erradicando, como a varíola”, afirmou em relatório.

Para isso, coberturas adequadas e homogêneas se fazem necessárias para todos os grupos populacionais: crianças e adolescentes, alunos de escolas públicas ou privadas. A Dive reforça que as vacinas utilizadas atualmente no país são seguras e eficazes, com eficácia comprovada, independentemente da tecnologia utilizada. “Todas as vacinas utilizadas no âmbito do Programa Nacional de Imunização (PNI) foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, destacou.

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Texto: Herison Schorr

Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc

Informações técnicas retiradas do site da Fiocruz, Dive/SC e Ministério da Saúde