A rotina de trabalho na Pizzaria Lá Forneria Santos, em Bananeiras, Paraíba, começa cedo. Atendendo de quarta a domingo, são seis funcionários que, hoje, produzem cerca de 50 pizzas por dia. Em datas especiais, como nos feriados, o espaço costuma vender 100 pizzas. Enquanto planeja a abertura de filiais pelo Estado, com o apoio dos projetos do Sebrae, o proprietário João Santos, de 42 anos, resgata relembranças de infância instável e desafiadora.
“Marguerita!”, proclama com saudade o empresário João Santos, de 42 anos, ao ser questionado se ainda lembra do sabor da primeira pizza produzida na Pizzaria Lá Forneria Santos, localizada na rua Cassiano Cicéro, no município de Bananeiras, Paraíba. O ano era 2017, e as lembranças da iniciativa empreendedora hoje ainda reverberam em conquistas e projetos, quase uma década depois.
A rotina de trabalho começa cedo na pizzaria de João que, às 9h da manhã, vai buscar um item fundamental de produção na pizzaria italiana: a lenha. Atendendo de quarta a domingo, são seis funcionários que, hoje, produzem cerca de 50 pizzas por dia. Em datas especiais, como nos feriados, o empresário revela que costuma vender 100 pizzas!

No Instagram da Lá Forneria Santos, os 4.382 seguidores acompanham publicações recheadas de cores. O que chama a atenção são as pizzas bem servidas, incrementas, algo que João conta como um diferencial.
“Em São Paulo e Rio de Janeiro, eles gostam mais da pizza italiana, com pouco ingrediente. Aqui na nossa região, eu tive que me adaptar, com pizzas mais bem recheadas e com ingredientes regionais”, explicou.
Com uma vista acolhedora para o Centro de Bananeiras, considerada a Suíça Paraibana, as delícias produzidas no forno à lenha, à moda antiga, ambientam o cenário daqueles que procuram a tranquilidade e o friozinho da serra.

Enquanto planeja a abertura de filiais pelo Estado, com o apoio dos projetos do Sebrae, João destaca a presença de seus dois filhos, de 9 e 2 anos, ajudando, mesmo que de forma tímida e lúdica, no negócio da família, e otimiza na prosperidade da pizzaria a garantia do futuro das crianças, que despertam no pai as lembranças de uma infância instável e desafiadora.
Despertando para o espírito de empreender
Jambu, siriguela e macaxeira. Um caldo de cana e um pastel. Abacaxi, castanha e mais três pedidos simultâneos de desconto. Galinhas cacarejando ao lado de seus futuros temperos. O frenesi de vendas improvisadas equilibra-se nas bancadas e banquetas. Às vezes, tomates, cebolas e moedas rolam pelos pés de quem caminha abaixo das lonas, que resguarda a luta e a fé de quem encontra nas feiras de bairro a chance da renda familiar.
Abaixo dessas barracas, nos anos 80, corria os pés da infância de João Santos. Desde criança, o empresário conta que acompanhava seu pai, feirante, pelas feiras de Araçagi, Itapororoca e Mamanguape. Quando perguntado sobre o que mais vendiam, ele ainda se mostra com uma memória fresca: “Banana e jaca”, revelou, humorado.

Para suprir uma casa com 12 irmãos, João descreve uma infância simples e de reinvenção diária, onde a criatividade de seus pais tornava-se fundamental para encontrar meios de sobrevivência, balizados pela honestidade. Além de ajudar o pai, o então menino fazia faxinas nas casas e ajudava a mãe na venda de produtos de beleza da Avon, e, também, dindim, em eventos pela cidade. Numa dessas celebrações, aquele menino astuto revive uma lembrança que o marcou.
“Minha mãe foi vender dindim no estádio de futebol, em Guarabira, e choveu muito, e não vendemos nada”, lamentou. Mesmo com as frustrações, o empresário enfatiza que nunca viu a dona Maria Dias dos Santos reclamar desses desafios diários.
“A minha família sempre foi empreendedora, assim, em feira. Minha mãe também trabalhou por muito tempo na Pastoral da Criança, e ela que fazia a pré-mistura, e eu ia com ela. Aprendi muita coisa com ela, fazendo as partes naturais, a fazer farinha de farelo. A gente foi praticamente criado com essas comidas, foi muito interessante essa parte”, disse.
Foi nesse período que o então menino paraibano se despertou para o empreendedorismo. Antes, João conta que costumava comprar cadernos de receitas e, crescido, começou a trabalhar no abate de galinhas para a feira. “Acordava uma hora da manhã, um frio grande. Abatia 300 frangos”, descreveu sobre a rotina na adolescência.
Aí conseguiu um emprego como ajudante de uma barraca de cachorro-quente, em Araçagi, aos 13 anos. Um emprego que o fez amadurecer como alguém que queria vencer por meio dos negócios, arriscando-se na primeira oportunidade que identificou.
“Em um certo momento, ela – a dona da barraca de cachorro-quente – , comprava os ovos de codorna. Eu via ela comprando ovos de codorna, e eu disse: Rapaz, eu vou comprar umas codornas… Aí comprei umas 12 e comecei a criar, e depois vendia os ovos pra ela. E assim foi por um bom tempo”, lembrou sobre seu primeiro empreendimento.
Experiências no Rio de Janeiro
As histórias que ouvia sobre o Rio de Janeiro, principalmente, de seu pai que trabalhava como caminhoneiro e atuou na antiga Casa da Banha da capital fluminense, despertavam no jovem João o desejo de vislumbrar uma vida além do sertão paraibano.
Foi aos 17 anos que esse desejo tornou-se meta de vida, onde se mudou para a Cidade Maravilhosa, para morar com os irmãos que já viviam no Sudeste. Assim que chegou no Rio, João conta que encontrou bicos provisórios para se sustentar, como ajudante de servente de pedreiro, até conseguir um emprego num restaurante na Vila Isabel, próximo ao Maracanã.
Não foi exatamente o emprego esperado para o rapaz que queria trabalhar com gastronomia, pois o alocaram para a área de limpeza do estabelecimento. Porém, suas iniciativas chamaram a atenção dos gerentes, que o contrataram para atuar dentro da cozinha.
“Tem uma história engraçada. Quando cheguei nesse restaurante, o proprietário era um cearense. Aí ele olhou, assim, pra mim, e disse: ‘Rapaz, esse paraibano aí não aguenta um dia, não’. Só sei que fiquei quatro anos lá, e nesse dia lavei quase 600 pratos”, comentou.
Recomeço na Paraíba
João voltou à Paraíba com seus irmãos em 2010, com 29 anos. A decisão do retorno, de acordo com o empresário, foi por dois motivos: a violência no Rio, com tiroteios constantes no bairro onde vivia, e a saudade de casa. “Meu pai, na época, estava muito doente e eu decidi que voltaria, para ficar mais perto; graças a Deus a volta deu certo”.
Com uma reserva em dinheiro, ao chegar na Paraíba, o jovem investiu em equipamentos para festas, como: máquina de crepe, algodão-doce e pula-pula, onde passou a atuar em eventos nos condomínios e nas praças, além de ajudar nos buffets de casamentos e aniversários, em casa de festas. Também aprimorou suas habilidades com bebidas, investindo em barracas de caipirinha. O entusiasta do empreendedorismo se recorda de quando a criatividade se fez presente para salvar os negócios que ainda se estruturavam.
“A gente foi fazer um evento na Festa da Luz, em Guarabira. Eu botei uma barraca de caipirinha. No meio da festa, a gente não estava vendendo nada, praticamente parado. Estava eu e meu irmão, e eu havia ensinado o meu irmão a trabalhar como garçom, ele era pedreiro. Nessa situação, a gente parado com um tanto de bebida, eu tinha trazido uma caixa de copo acrílico. Aqui na Paraíba ainda não tinha a fama do copo acrílico, chamativo, bem colorido. Surgiu a ideia. Eu peguei o Whisky, coloquei dentro dos copos, já com gelo e o Red Bull na mão. Eu segurando; ele com a bandeja. Quando a gente fez isso na festa, a gente vendeu mais de dois litros de Whisky!”, contou, humorado.
Lá Forneria Santos no forno!
Em 2012, ao lado da esposa, João abriu uma pequena pizzaria no município de Solânea, ao lado de Bananeiras. Mas, com seis meses, o negócio faliu. “Na época, o aluguel era alto e trabalhava só eu e minha esposa. Não tinha capital financeiro”, citou como um dos motivos.
Após a falência, o paraibano viu-se obrigado a trabalhar, novamente, como cozinheiro num renomado restaurante de Bananeiras, mas, com a chegada do primeiro filho, instintivamente, João identificou a necessidade de alavancar a renda da família, com um novo negócio, ainda que fosse arriscado deixar um emprego de carteira assinada no momento onde mais precisava de dinheiro, como comentou. “A esposa ficou chateada”, revelou sobre a decisão que foi tomada em 2017.



João se permitiu uma nova chance de realização pessoal, por meio do empreendedorismo, com aquilo que fazia com maestria, mas, desta vez, ciente de que deveria buscar experiência empresarial, encontrou na agência do Sebrae de Guarabira outros maestros exímios na arte de empreender. O primeiro contato com essa nova possibilidade de ajuda, segundo o empresário, foi marcante, decisiva e contínua.
“O Sebrae é o maior parceiro desde que abri o comércio”, destacou.
Com as tutorias, e mais preparado, o cozinheiro identificou a falta de uma pizzaria delivery na cidade, e foi justamente esse o seu diferencial. Ao lado da esposa e de um dos irmãos, construiu um forno de lenha, por conta própria, devido a falta de dinheiro para contratar uma empresa especializada. No primeiro dia de trabalho, vendeu só uma pizza, daquele sabor marcante, a que se tornou famosa e a mais pedida da casa.
“Marguerita! Eu me identifico muito com essa pizza, estudei sobre ela: um cozinheiro fez para a rainha da Itália”, explicou.
No início, João admite que encontrou barreiras, enquanto a pizzaria ainda não ganhava notoriedade, mas, com as capacitações oferecidas por consultores parceiros do Sebrae, identificou formas de atrair a clientela. “Fiz parceria com o Sistema, que é um programa que eles pagam 70% e o empreendedor paga 30%”, destacou sobre um dos benefícios oferecidos pela entidade.

Foto/Acervo
Jacy Viana de Andrade Leobino é gerente regional do Sebrae da Paraíba, em Guarabira, e acompanhou, orgulhosa, o desenvolvimento da Pizzaria Lá Forneria Santos ao lado de João. A gestora explica que o SGF (Sistema de Gestão de Fornecedores) do Sebrae, benefício utilizado pelo empresário, é um programa que visa oferecer aos microempreendedores a chance de ter tutorias com grandes nomes de consultores de empresas já consolidadas, onde o próprio Sebrae paga 70% do valor da consultoria, permitindo que empreendedor utilize dessa valiosa oportunidade com um bom desconto.
“É uma parceria entre o Sebrae, consultor e o empreendedor, sempre visando o apoio de micro e pequenas empresas”, afirmou.
Pandemia
João viu seu negócio prosperar e, assim que os lucros tornaram-se frequentes, optou por investir num espaço. Foi nesse momento que reformou a laje de casa, onde fez nela uma cantina italiana para a clientela, com a famosa vista privilegiada para o Centro da cidade, conquistando mais clientes. Mas quando João teve certeza que o negócio ia decolar… O início das restrições estabelecidas pela pandemia da Covid-19, em 2020, frustrou as expectativas.
“No início, a gente entrou em pânico. Não tinha informação, e tinha uma pressão. Como na cidade de Bananeiras tinha gente vindo de fora, nos condomínios, tinha muita fiscalização. A gente ficou meio sem fazer o que fazer”, enfatizou.
Mas a reinvenção da necessidade de renda, ainda presente na vida do paraibano, o despertou para uma ideia que estava em suas mãos.
“No meio da pandemia, tivemos uma surpresa. A gente fez atendimento delivery, aí multiplicou o atendimento. A gente não dava conta, porque Bananeiras lotou os condomínios. Tinha dias que tinha que ter uns quatro entregadores!”, lembrou.
Mas, no final da pandemia, num breve momento, o empresário revela que entrou em crise, novamente, tanto por causa da queda nas vendas, mas, principalmente por ter adoecido. “Houve um desgaste mental e financeiro”, comentou. Um reflexo da crise econômica que abalou não, apenas, João, mas todo o país.

João comenta que conseguiu se recuperar nos meses seguintes, otimizando seu negócio com a organização do financeiro, tendo as consultorias do Sebrae como mecanismo de recuperação econômica.
O Sebrae da Paraíba, segundo Jacy, acompanhou esse período delicado da economia nacional e regional dando suporte online, assim como as consultorias e capacitações. “Ligamos para os empresários, para os orientar, ouvi-los. Nosso papel enquanto serviço de apoio a micro e pequenas empresas foi muito forte, atendemos muitos empreendedores, e orientamos através da internet”, afirmou.
Sebrae no interior: planejamento, fortalecimento e futuro
Visando expandir a pizzaria com filiais, João destaca a importância do Sebrae na sua rotina de trabalho, onde realiza frequentes tutorias de planejamento de finanças e projeções. Outro ponto destacado pelo empresário sobre as ações da entidade na região, foi o convite para participar do Projeto Líder: uma iniciativa que visa estimular o desenvolvimento de regiões brasileiras, como no caso do Brejo, na Paraíba. João foi um dos empresários convidados pelo Sebrae e contou sobre sua experiência.
“Eu fui escolhido pelo Sebrae. O Sebrae escolhe seis cidades para fomentar a parte cultural, gastronômica e empreendedora. Já estou há um ano, vai encerrar agora, mês que vem. Quando esse curso termina, o grupo vai andar com as próprias pernas, buscando fazer parceria com iniciativa privada e pública, para trazer benefícios para a região que foi criada; no nosso caso, o Brejo: Areia, Bananeira, Pilões, Borborema, Lagoa Grande e Serraria”, explicou.

Em meio a tantos desafios, João mostra-se realizado e grato por ter alcançado seus objetivos, e aconselha: “Tem que ter paciência e tempo, paciência de que vai dar o tempo certo. Já tinha tentado várias vezes, não se encaixava… Tudo tem a hora certa de você colocar em prática”, disse.
Jacy descreve um Sebrae atuante no Estado da Paraíba para fomentar o desenvolvimento econômico, principalmente nas regiões interioranas, como o Agreste e o Brejo. A gerente afirma que, hoje, a entidade cobre 11 regionais. Só na região de Guarabira, são 22 municípios.
As caravanas e missões técnicas levando educação empresarial com consultorias, cursos, palestras, seminários sobre acesso ao mercado e uso de tecnologias são exemplos de ações que planejam estimular a renda no Sertão Paraibano, com seus 897.162 moradores, segundo último levantamento do IBGE.
“Nós atuamos em 2018 com o Território Empreendedor Sustentável, que contempla vários municípios da região, inclusive Agreste e Brejo. Agora, em 2024, nós iniciamos o Líder que é com o mesmo foco em desenvolvimento territorial, só que com uma nova metodologia, onde estamos trabalhando nos seis municípios”, explicou a consultora.
Jacy acrescenta que o Programa Líder tem o propósito de desenvolver lideranças regionais. “Foram oito módulos dentro do Programa para que essas lideranças possam elaborar uma agenda de desenvolvimento com foco nas vocações da região. Foram dois eixos trabalhados: o turismo e o agronegócio, e, agora, em 2 de abril, vamos lançar essa agenda para esse território de seis municípios que, juntos, buscam uma transformação com foco no turismo e no agronegócio”.
Confiante para o lançamento, a gestora destaca que o evento tem como objetivo reunir 200 pessoas, dentre empresários, gestores públicos, além de entidades de ensino, com o objetivo de conseguir parcerias para dar vida aos projetos elaborados pelas lideranças empreendedoras do Brejo.
Outro evento divulgado por Jacy, ainda em março, no dia 22, será o 11º Startup Day Paraíba. Com o tema “Conexões e mentorias para fortalecer seu negócio”, o momento de conhecimento e interação pode ser um marco para os empreendedores das áreas de comunicação e tecnologia que querem se conectar. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até o dia do evento. Clique aqui e faça sua inscrição.
Cidade Empreendedora e Guarda-Chuva
Enquanto João alterna entre a mão-na-massa para atender os frequentes pedidos na Lá Forneria Santos e, gentilmente, concede esta entrevista ao Míra Mirá Brasil Paraíba, identificamos, também, que os trabalhos na agência regional do Sebrae, no Shopping Cidade Luz, em Guarabira, não param.
Além do Projeto Líder, Jacy lista outras ações como o: Brejo Tech, que atua na questão da inovação das empresas paraibanas, preparando-as para tornarem-se mais competitivas; o Projeto Guarda-Chuva que é parte do PB – Desenvolvimento Territorial e Orientação Empresarial, uma ação que visa o acesso de mercado, além de consultorias e capacitações, e o Programa Cidade Empreendedora que, hoje, atende os municípios de Guarabira e Mari.
“Estamos iniciando um processo de oficinas que, agora, no dia 11 e 12 de março, teremos uma oficina em Mari para fazer um planejamento estratégico municipal, uma oficina que visa levantar alguns insights sobre o que o município está precisando. A partir daí, traçar um plano de ações, também, para que a cidade possa se transformar num ambiente de desenvolvimento favorável para pequenas empresas.”
Texto: Herison Schorr
Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc