“Ele ensinou às pessoas o que é amar”; família e amigos prestam homenagem a Matheus

“Aonde a gente se encontrava em público, a coisa mais bonita era ele abraçar, beijar o pai e a mãe na frente dos amigos, das pessoas. Ele sempre nos apresentando para os amigos. Sempre guardo essas imagens dele. Não tinha vergonha da gente, de expor o sentimento que ele tinha pelo pai, pela mãe e pelos irmãos”, destacou o pintor Éder Lemes Rodrigues, de 42 anos, sobre o filho que morreu no final de junho, após acidente na BR 101

Matheus Rodrigues Caetano, de 18 anos, era a cara da energia juvenil. Daquela vivacidade gigantesca, animadora, curiosa, que nos move a querer descobrir o mundão se pautando com os valores adquiridos no mundinho dentro de nossa casa. Segundo seus amigos e familiares, o jovem, que morreu no dia 19 de junho após um acidente de moto na BR 101, em Garuva, era amado por quem habitava os dois lados da porta: os de fora e os de dentro.

Matheus Caetano faleceu após um acidente na BR 101, em Garuva. Foto/Acervo

Durante sua internação no Hospital São José, em Joinville, essa admiração inicial que tão sutilmente se transformava em amor e carinho por ele, reverberava nos corredores do centro médico e pelas ruas da sua cidade natal, com a mobilização de mais de 100 pessoas que foram, em nome desse sentimento, doar sangue, por ele. 

Ainda que, nesse mundo, não resistiu aos ferimentos físicos, resistiu e resistirá o seu legado sentimental de compaixão e gratidão, o essencial, o mais importante, o que sempre sobrevive aos que deixamos após nossas despedidas daqui, e o que realmente importa se chegamos a difícil conclusão de que nosso corpo, de fato, dificilmente passará dos 100 anos; nosso legado, imensurável e inesquecível.

Foto/Acervo

Entre amigos

Sobre as rodas da “bike”, como gostava de rodar o tempo livre, propagou esses seus melhores valores entre o grupo Rapaziada do Grau que o homenageou na Praça Tancredo Neves, após sua morte. “Eu sou apenas um rapaz latino-americano, apoiado por mais de cinquenta mil manos”, diz um dos últimos versos de Racionais, sua banda preferida.

Dos inúmeros amigos, o mecânico Kauê Henrique Alves Da Silva, de 18 anos, reitera as qualidades de seu melhor amigo, fundamentais para perpetuar a amizade e se orgulhar de como somos capazes de atrair pessoas com uma vibe boa para perto de nós. 

Kauê e Matheus praticando manobras na Praça Tancredo Neves. Foto/Acervo

“Matheus era aquele tipo de amigo que você podia contar pra tudo, literalmente, tudo. Não tinha tempo ruim pra ele. Ele nunca foi de pensar só nele, sempre pensou em todos ao seu redor e sempre ajudou o máximo que podia. Era um menino muito puro e verdadeiro”, afirmou.

Segundo Kauê, os dois amigos tiveram diversos momentos bacanas durante a longa amizade, porém, um dos mais marcantes foi quando, finalmente, saíram cada um com seu carro adquirido.

“Foi no dia 14 de maio desse ano. Foi uma coisa muito marcante, pra gente, porque, desde mais novo, foi o que a gente sempre quis fazer, completar seus 18 anos e sair andar de carro sem rumo, foi o que aconteceu nesse dia”, recordou.

Matheus e amigos. Foto/Acervo

Dedicado à família e ao trabalho

Guilherme Henkel Rodrigues, 18 anos, primo de Matheus, admite que sua perda é difícil devido à convivência diária com o primo/amigo, principalmente, no local onde os dois trabalhavam juntos. 

“Andava com ele todos os dias e trabalhávamos juntos, ele que me indicou o trabalho; hoje, estou aqui sem ele. Quando lembro, meu coração se parte em vários pedaços, em lembrar que ele não está mais aqui, conosco”, contou.

De famílias modestas, o primo conta que ambos se divertiam ainda que com poucos recursos. “Não precisa de muito pra ser feliz; vou sentir muita falta dele”.

Matheus ao lado de primo, irmão e tios. Foto/Acervo

A “tia Claudia”, mãe de Guilherme, afirma que pôde acompanhar de perto essa amizade do seu filho com seu sobrinho, destacando que a presença de Matheus enchia a casa de energias boas. “Era sempre uma bagunça, brincadeiras; brincavam, dançavam…”

Uma peça da casa, hoje, faz a tia rememorar esses momentos.

“Tenho uma coberta que o Matheus amava. Vinha o Matheus e mais uns colegas do Guilherme dormir aqui em casa, Matheus chegava a esconder a coberta para ninguém pegar; se não dava tempo de esconder, brigavam por ela, e ele sempre acabava ficando com a coberta. Hoje, olho pra coberta e me faz lembrar dele, de coisas boas que vivemos juntos”, disse.

Funcionário que tornou-se um filho

André Felipe Miranda, patrão de Matheus, sente-se grato e honrado por ter vivido parte de sua vida com Matheus, um funcionário que, segundo ele, tornou-se um filho. 

“Queria agradecer, de coração, por tudo que tive oportunidade de viver com esse menino maravilhoso que Deus escolheu pra estar ao seu lado. Muito obrigado, guri, que era o ‘Batman’ depois das 19:00 horas, segundo ele; vai deixar saudades”, comentou.

Matheus ao lado de André e Guilherme. Foto/Acervo

Segundo André, o carisma do jovem conquistou não apenas os funcionários, mas, também, a própria família do patrão, que, hoje, também lamenta pela perda.

“Meu pai sempre falava, pra mim, que eu tinha achado um grande parceiro, e funcionário muito bom, e olha que para o meu pai elogiar alguém é porque a pessoa faz as coisas certas. O admiravam por seu jeito educado e responsável; tivemos um imprevisto no caminho que custou caro, mas agradeço muito a ti, guri, que não está mais com a gente, mas sei que está olhando com muito carinho por nós, aí de cima”, comentou o patrão.

Espaço publicitário

André ainda descreve Matheus como um jovem responsável, que se permitia sonhar e planejar um futuro ao lado de amigos e da família. 

“Guri sonhador, que tinha muitos planos que íamos conquistar juntos, desde comprar o ‘Pedrinho’ (um carro), até mesmo arrumar os dentes de sua mãe, e dar uma casa pra sua família, e muitas outras coisas que ele me contou”.

Outro plano estava previsto para julho, que seria realizado em Pomerode no Campeonato Brasileiro de Donwill, lamenta André.

Na escola, o professor Adriano Dierschnabel identificou a desenvoltura de Matheus, observando em sua espontaneidade como primordial para uma vida serena. “Sempre foi espontâneo, gentil e acolhedor…”, afirmou sobre o aluno.

Segundo o professor, a caminhada de Matheus foi breve, porém, a eternizou com seu sorriso fácil e brincadeiras que alegraram os dias. “Não vemos o Matheus, mas o sentimos na família, amigos, bike, praça, em nossos corações”.

“Você é minha vida”

Uma parceria de berço. A cabeleireira Camila Caetano, irmã de Matheus, conta que as brigas eram aquelas comuns entre irmãos, mas o que prevalecia era o amor refletido em piadas e brincadeiras. 

“Quando ele dizia: ‘Vai cuidar da sua vida, Camila!’ e eu respondia, sempre: ‘Mas eu tô cuidando; você é minha vida’… Isso já desconcertava ele todo, e já voltávamos ao normal…”, lembrou. 

Camila ao lado do irmão. Foto/Acervo

Das peripécias entre irmãos, Camila destaca aquelas que jamais esquecerá, quando, por exemplo, ela comprava roupas novas e Matheus servia como modelo para mandar fotos às amigas, ou quando teve um problema com o antifurto do carro, e pediu para o Matheus retirar, “mas ele acabou tirando o alarme do carro e o antifurto ficou lá, intacto; ele ainda brincou com a situação se chamando de ‘tião elétrica’”.

A irmão comenta que a vida com a presença dele era sempre assim, levando as dificuldades com senso de humor, sempre vendo tudo pelo lado bom, uma atitude fundamental para superar um desafio em família.

“Quando nossa mãe teve câncer, e perdeu os cabelos, nós chamávamos ela de ‘cabeça de côco seco’, e isso fazia com que a situação ficasse mais leve de ser vivida. Tem uma coisa que ele sempre fazia em qualquer lugar que me via, e sempre que chegava em casa, que era me dar um beijinho na testa e fazia eu dizer que ele era meu ‘maninho’ lindo do coração. Meu irmão era assim, um menino doce, um menino muito carinhoso e isso vai ficar sempre na minha memória e no meu coração”.

Humor e força de Matheus foram fundamentais para dar suporte à mãe em tratamento contra um câncer. Foto/Acervo

Tatiane Caetano, tia de Matheus, também o descreve como um sobrinho divertido. Aquela felicidade da adolescência que contagiava a casa. Na sua ausência, hoje, ela comenta sobre um sentimento de silêncio, e, infelizmente, uma expectativa ilusória. “É esse de que ele saiu, foi viajar, e que uma hora ou outra ele vai voltar”, lamentou.

A tia destaca um dos momentos que sempre se lembrará quando rememorar a existência do sobrinho Matheus e sua essência divertida, como da vez que, em uma competição de bike cross, quebrou o braço e foi encaminhado ao hospital de Joinville, justamente nos horários tão esperados das missas pascoais. 

“Na madrugada, ele me pediu pra ir ao banheiro. Ajudei ele, porque ele estava com o soro, e com aquelas roupas de hospital que fica aberto na parte de trás…” lembrou da região que costumava trocar as fraldas. 

A tia, que esteve à frente de campanhas para doação de sangue, encontra nos gestos de carinho ao sobrinho uma forma de sarar a ferida que se abriu com sua partida, e agradece a Matheus por tê-la tornado uma pessoa mais compreensível.

Um filho amoroso

O pintor Éder Lemes Rodrigues, de 42 anos, sente-se orgulhoso ao lembrar de um filho que era trabalhador, esforçado, humilde, prestativo e, mesmo na fase da adolescência, nunca teve a “típica vergonha” dos pais. 

“Aonde a gente se encontrava em público, a coisa mais bonita era ele abraçar, beijar o pai e a mãe na frente dos amigos, das pessoas. Ele sempre nos apresentando para os amigos. Sempre guardo essas imagens dele. Não tinha vergonha da gente, de expor o sentimento que ele tinha pelo pai, pela mãe e pelos irmãos”, destacou.

O pai conta que era um fiel confiador de sonhos do filho, ouvindo atento seus interesses que, segundo Éder, estavam sempre relacionados não apenas a ele, mas numa realização compartilhada com os amigos e a família. Um sonho que só seria ideal se todos que ele amasse participassem dele.

Éder ao lado dos filhos. Foto/Acervo

Claudia Caentano, mãe, ainda reune forças por meio da fé para conviver com a dor da perda do filho do meio, o qual, segundo ela, foi sua fortaleza durante o tratamento à cura de um câncer, usando de sua positividade e humor como as melhores medicações. “Me chamava de cabeça de côco”, comentou, sorrindo, sobre a alusão humorada que o filho fazia à sua perda de cabelo. 

Mesmo com o temor da perda da mãe, Matheus manteve uma postura forte, necessária para o  amparo dela. “Ele era um menino muito carinhoso, prestativo, honesto; não tinha inveja de ninguém e sempre ficava feliz com as conquistas das pessoas. Era um bom filho, um bom irmão, um menino muito alegre”, afirmou.

Matheus ao lado da mãe. Foto/Acervo

Católica, Claudia reforça que mesmo com o sofrimento, não culpa a Deus, não há revolta, pois, para ela, seu amor por Jesus é grande demais, e sabe que ele fez o melhor pelo seu filho, fazendo-o uma promessa de que iria ser forte e cuidar de seus outros irmãos. Porém, ela confessa que, no momento, essa promessa ficou mais difícil, à medida que a saudade torna-se mais presente.

Matheus ao lado da mãe, durante tratamento contra um câncer. Foto/Acervo

Nos últimos dias, a mãe conta que ouviu de uma amiga que suas lágrimas são de muitas mães que deixaram de chorar por seus filhos, em referência ao abandono afetivo entre pais e filhos. 

“Então, se for pra mais jovens serem salvos, então que eu chore essas lágrimas, porque Deus escuta minha dor em forma de oração”, lamentou. 

Além da fé, primordial, Claudia afirma que encontra conforto ao perceber o quanto Matheus era amado pelas pessoas. Observando a ternura com o filho, desde a equipe médica às enfermeiras da UTI de São José, onde Matheus ficou internado por duas semanas. “Elas se tornaram as ‘mãezinhas’ dele, na minha ausência”, agradeceu.

Mãe, irmão e amigos de Matheus em homenagem a ele durante a sua missa de sétimo dia. Foto/Acervo

Durante a internação, Matheus precisou de bolsas de sangue, assim como muitas outras pessoas internadas, o que gerou uma corrente de solidariedade ao jovem, que beneficiou a todos do hospital. 

“Quando eu saí para fora do hospital, e vi todas aquelas pessoas doando sangue, eu me emocionei muito, eu chorei muito, porque eram muitas pessoas. O próprio Hemosc estava impressionado com tantas pessoas sendo solidários a ele, indo doar o sangue, porque esse sangue não salvou só o Matheus, ele salvou muitos Matheus lá no hospital. Foi bastante emocionante”, afirmou emocionada.

No dia do acidente, Claudia revela que teve uma conversa com o filho, ainda lúcido. “‘Mãe, eu te amo, me desculpa, avisa o André que estou aqui’, ele gostava muito de trabalhar, e do patrão dele”, disse. 

Matheus deixou um legado de felicidade e perseverança. Foto/Acervo

Na despedida ao filho, a mãe aqueceu seu coração doloroso com as homenagens feitas a Matheus, vindas de seus amigos, identificando a certeza de uma missão cumprida por ele.

“Durante esses dias, Matheus fez com que pessoas que não acreditavam em Deus, pessoas que não oravam mais, voltasse a acreditar. Elas dobraram os joelhos pra orar por ele. Eu tenho certeza que Deus ficou muito feliz com isso, porque o Matheus, com o amor, movimentou muitas pessoas, ele ensinou às pessoas o que é amar.”

Texto/Herison Schorr

Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc

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