Precisamos falar sobre a perda da vontade de viver para salvar vidas

Os fatores que influenciam uma pessoa a atentar contra a própria vida, segundo a psicóloga Ana Valente, que atua há 13 anos na assistência social de Itapoá, são complexos. Dentre os mais recorrentes é o sentimento de ‘esvaziamento da vida’, quando a pessoa, aos poucos, não consegue mais dar um sentido para sua existência “porque esse esvaziamento, essa falta de sentido é como se a pessoa se retirasse da vida”, complementa. Para ela, esse esgotamento pode desencadear processos depressivos e de angústia existencial. 

Outro fator importante a ser abordado é quando a pessoa tem um transtorno depressivo maior, que pode estar na disfunção química cerebral do indivíduo que não esteja em tratamento. “Quando você tem um problema na química cerebral, na captação de neurotransmissores adequados, aí realmente você tem uma depressão orgânica”, afirma

Ana ressalta que dentro da temática do suicídio há duas questões: de fato, a pessoa perdeu totalmente o sentido da vida e quis morrer? Ou a pessoa atentou contra a própria vida buscando chamar atenção para sua dor, a qual, não conseguiu expressá-la de outra forma? De acordo com a psicóloga, há pessoas que atentam contra a vida, mas não querem morrer, tendo a angústia existencial como um fator desencadeante para cometerem o ato, como uma forma de livrar-se, apenas, do sentimento.

Para elas, a orientação aos amigos e familiares é criar uma rede de acolhimento que vai auxiliar o indivíduo a sair do quadro depressivo, acompanhado de um tratamento psicoterapêutico, na linha que a pessoa se identificar.  Já nos casos onde, de fato, há o desejo de morrer, Ana orienta a busca imediata de um profissional que irá realizar uma intervenção medicamentosa , “pois os conselhos não são suficientes”, alerta.

Sinais suicidas

Os sinais que demonstram que uma pessoa quer tirar a própria vida também são complexo e, até mesmo, difíceis de se identificar, principalmente em indivíduos introvertidos que não expressam claramente os sinais de que possam cometer suicídio. Com os extrovertidos, a mudança principal é quando é notório que ele perde, aos poucos, os prazeres da vida e deixa de fazer aquilo que antes sentia prazer em realizar.  “Ele vai se tornando recluso, entristecido; ele já vai tendo algumas ideias sobre suicídio; ele vai comunicando algumas coisas e você vai percebendo a mudança na pessoa; ‘puxa, fulano não era assim’”.

Uma questão que torna-se preocupante, de acordo com a profissional, na identificação de um potencial suicida é quando as pessoas que os observam são desprovidas de orientação para ajudá-las, como no caso dos introvertidos, que não expressam de forma clara a vontade de morrer e acabam cometendo o ato, e aqueles que comunicam a vontade de atentar contra a vida e são vistos como ‘manhosos’, onde acabam, realmente, suicidando-se. 

Suicídio lento

Um comportamento que passa despercebido pela sociedade em geral, mas, que, segundo Ana, também é considerado um suicídio é quando o indivíduo perde o sentido da vida e se entrega aos vícios que prejudicam sua saúde, como as drogas. 

Neste processo, a pessoa atenta contra a vida lentamente, destruindo seu corpo aos poucos, até a morte. “Numa sociedade como a nossa, tão imediatista, só é considerado suicídio quando ele é imediato, quando se morre imediatamente. Há processos suicidas mais demorados, mas não deixam de ser suicídios”, informa, destacando a não busca do tratamento para o alcoolismo como um modo se suicídio lento. Para estas pessoas, Ana também ressalta os cuidados de acolhimento e a busca de um profissional.

Suicídio sem depressão

“É um engano acreditar que todo suicida um dia foi depressivo”. Ana faz um resgate histórico para complementar sua afirmação, buscando no final da década de 20 do século XX quando houve a quebra da bolsa de Nova York, onde pessoas perderam toda a sua fortuna em questão de minutos.  “Foi um dos maiores índices de suicidio que se teve”, afirma. 

Segundo Ana, aquelas pessoas não eram depressivas, mas, sim, faltou à elas a habilidade, a resiliência para conseguir lidar com situações adversas, como naquele momento onde perderam suas riquezas. Neste sentido, a reflexão que se apresenta é se, de fato, estamos preparados para lidar com situações atípicas que podem nos tirar de nossa zona de conforto e tornar nossa vida completamente diferente daquilo que era antes.  

“Quais são as ferramentas que a pessoa tem para lidar com os desafios da vida? É uma pessoa que tem recursos internos para lidar com as adversidades, ou é uma pessoa frágil que uma adversidade maior possa abater?”, instiga Ana.

Um outro olhar sobre a vida

A descoberta de um sentido para a vida é particular, seguindo Ana. Fatores históricos e culturais podem influenciar neste processo. “Tem estudos, por exemplo, que mostram a espiritualidade, não religião propriamente dita, mas a espiritualidade como um elemento de busca para o sentido de vida”, sugere. Outras pessoas podem elaborar um planejamento onde elas apresentam de forma objetiva o que elas querem para o futuro, e de que forma estão vivendo seu presente. 

Todas estas formas de buscar um novo olhar sobre a vida acabam em um denominador comum e necessário para dar o primeiro passo: o autoconhecimento. Neste contexto, perguntas como: “Quem sou eu? Como é que lido com o dia a dia?”, são questões que ajudam a traçar uma trajetória de vida, onde poderá identificar suas fraquezas e suas forças. Ana enfatiza que este processo também pode ser delicado, pois no caminho do autoconhecimento a pessoa pode reconhecer os gatinhos que podem te desestabilizar. 

Acolhimento

Aos que gostariam de ter a oportunidade de expor seus sentimentos de morte para alguém que é treinado e está preparado para um acolhimento adequado, a psicóloga sugere o trabalho voluntário do Centro de Valorização à Vida (CVV), que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Ana conta que, durante três anos, foi voluntária em uma filial da instituição em Curitiba, onde todos os dias conversava com as pessoas que buscavam ajuda para aliviar suas angústias e desejos suicidas. “O CVV tem atuado maravilhosamente bem, de uma forma muito eficaz, mas eles vão lidar  exatamente com determinado perfil de suicida, porque, muitas vezes, quando se tem aquele perfil mais imediato, não se tem o tempo hábil de intervenção”, alerta a psicóloga. 

Para receber orientações no Centro de Valorização à Vida, clique aqui.

Texto: Herison Schorr

Jornalista formado pela faculdade Bom Jesus Ielusc