Ivo Luis Biaobock, 49 anos, dedica 35 deles para a colheita do pinhão. Um modo de trabalho rústico que aprendeu com seu pai, quando este o fazia apenas como mais um afazer do sítio onde vivem, na localidade Avenquinha. Agora, agricultor entrega nas mãos de seu filho, Luis Biaobock, 15 anos, que leva seu nome e sobrenome, a única chance de perpetuar esta tradição familiar, à medida que observa a diminuição das florestas de araucárias e da produção de seus frutos
Uma araucária derrama a semente; outra nasce ao seu redor. Um jovem acompanha o pai na colheita do pinhão com a promessa de perpetuar uma tradição. Homem e árvore; semente e menino. A natureza muda aos poucos; as árvores não frutificam como antigamente; o menino ainda não aprendeu a colher.
A vida humana tende a ser vista como um pequeno instante no tempo por aqueles que nos observam do alto. Das estrelas quase eternas às copas de grandes árvores que tornam-se centenárias com o passar das infindáveis estações. As araucárias de Campo Alegre viram muita gente passar por ali, permeando a cada travessia em meio aos seus grossos troncos e solos com folhas espinhentas, um pouco da própria história do município. Mas, com o risco de extinção, elas poderão não ver mais outros passos que atravessam suas poucas florestas que ainda restam.
Desde as primeiras pegadas humanas que encontraram derramadas pelo caminho uma rica fonte de alimento, há nesta era um morador que compartilha seu pequeno instante no planeta com as centenárias araucárias. Ivo Luis Biaobock, 49 anos, dedica 35 deles para a colheita do pinhão. Um modo de trabalho rústico que aprendeu com seu pai, quando este o fazia apenas como mais um afazer do sítio onde vivem, na localidade Avenquinha. Agora, agricultor entrega nas mãos de seu filho, Luis Biaobock, 15 anos, que leva seu nome e sobrenome, a única chance de perpetuar esta tradição familiar.

Ivo e o filho Luis. Foto: Herison Schorr
É 7h da manhã. Uma semana após o início da colheita do pinhão, 1 de abril. O sítio do agricultor começa mais um dia de lida no trabalho. Para esta função são necessários: roupas compridas, duas varas longas de bambu, sacos, uma espécie de esporão feito de ferro para colocar em volta dos pés, uma garrafa pet cheia de café preto e amargo, a companhia dos três cachorros da família, a ajuda do filho e coragem.
As primeiras araucárias já são encontradas logo após a cerca. Muitas delas, desenvolve-se junto com o, agora, dono da casa. “A gente não percebe a araucária crescer, mas, no tempo de pinhão, eu percebo. Chegava a abraçar quando pequeno, e, hoje não consigo abraçar mais”, afirma Ivo enquanto caminha pelo pasto da propriedade que era do seu pai. Ele leva um bambu nas costas.

Ao rememorar as araucárias de sua infância, que, hoje, sombreiam as infâncias de seus filhos, Ivo lembra do passado que viveu ali mesmo, e de como uma tradição começou. A antiga colheita do pinhão era motivo de festa entre os vizinhos. Reuniam-se para colher, debulhar e comer. O forno que assava o pinhão também espantava o frio rigoroso da serra campo-alegrense, com a ajuda de vinhos feitos na colônia.

Dentre a família e vizinhos, o agricultor destaca um deles, alguém que o ensinou a subir às araucárias com um esporão, uma ótima tecnologia trazida para uma época onde todos colhiam pinhão com escadas, como seu pai. Mas foram muitos escorregões e arranhões até contemplar a paisagem lá de cima, e os frutos que lá esperam, algo que torce para o jovem Luis ver um dia.“O filho ainda não sabe subir, já ralou perna e braço, talvez pegou medo”, revelou, humorado, sobre o menino que lhe acompanha levando os demais instrumentos de trabalho.

Ao chegar próximo de uma araucária, Ivo observa os frutos lá no alto, analisando se há maturação certa para colher o pinhão. Uma árvore foi escolhida e ele se prepara para subir. Esta araucária tem, aproximadamente, 20 metros de altura. Veste o casaco, afivela os esporões nos pés e amarra um bambu em uma das pernas. Antes de subir, ele deixa uma sugestão: “Para ser bom nisso, é preciso ser bom em sinuca”, sugere com o velho humor que lhe acompanha na lida. De forma sincronizada, de pernas e braços, ele começa a escalada. Em menos de dois minutos, Ivo escala a árvore. Do alto, adentra os galhos da araucária e sobe em cima da copa, em seguida, puxa o bambu para cima. É neste momento que começa uma pequena festividade do alto, quando mostra o porquê da necessidade de ser bom em sinuca, à medida que os movimentos que faz com o bambu, para derrubar as pinhas, assemelha-se com o jogo. E elas caem sobre o pasto.
Gravação: Herison Schorr
Embaixo, Luis vai colhendo-as, com todo o cuidado para que uma delas não caia em sua cabeça. “De subir, já não consigo. Tento, mas não consigo”, lamenta o menino que acompanha Ivo desde muito cedo, “antes dos seis anos”, complementa. O jovem sabe que é precioso para o pai que aprenda seu trabalho. Agora, enquanto encoraja-se para arriscar-se, o que lhe resta é observar um grande professor. “Quero ver se vai gostando, quero passar para a família, para alguém tocar, para ter continuidade. Ele que é novo, tem que aprender”, sugere o pai já no pasto ajudando a ensacar as pinhas. O agricultor chega a colher 200 kg por dia em cerca de 30 araucárias que sobe. Para cada uma delas, em subir, derrubar, descer e colher, leva cerca de 20 minutos para cada uma delas.

Do alto da araucária, Ivo trouxe a satisfação de apresentar seu trabalho e a preocupação de perdê-lo com a escassez do fruto das árvores. Segundo o agricultor, nos últimos sete anos, viu a produção de pinhão cair. Antes, chegava a colher 4 mil quilos por semana, “hoje, se trabalhar muito, é mil quilos”, revela. Observador da natureza, Ivo tem teorias e possíveis provas do que ocorre em suas mãos: pinhas em processo de floração danificadas, as quais, ele acredita ser ação das quedas de granizo que tornaram-se frequentes, e que machucam a planta.

Outra questão observada por Ivo são as chuvas constantes em outubro e novembro que, segundo ele, podem estar derrubando o pólen das araucárias machos que não chegam nas fêmeas produtoras de pinhão. Devido a isso, também constata a pouca produção de pinhão dentro das pinhas. ”Já vi muita pinha secando”, comenta enquanto olha um pé de pessegueiro florido. Naturalmente, a árvore da fruta floresce apenas em setembro, no calor da primavera, mas, agora, em abril, já apresenta naquele pé uma atípica florada. Para o agricultor, o fenômeno é resultado do calor fora de época, que impede a araucária, que precisa do frio, de prosperar como nas décadas passadas.

Ao guardarem todas as pinhas nos mesmos sacos que nas cidades vizinhas como Araquari, Garuva, Itapoá e São Francisco do Sul servem para a coleta do caranguejo, Ivo, o filho, e os cães voltam para a sede da propriedade. Pelo caminho, o agricultor lembrou de um ensinamento que um de seus cães aprendeu bem: buscar as pinhas que acabam caindo dentro do rio e lagos, como mostrou em vídeo:https://www.youtube.com/embed/wE-pGAB6LCw?feature=oembedGravação: Herison Schorr
Ao lado da casa, fica o paiol onde são guardadas as ferramentas de trabalho do sítio, e, também, as pinhas da araucária, que esperam por compradores que descem à serra para revendê-las. Ivo vende no valor de apenas R$ 6 o quilo do pinhão. No passado, o valor era de R$ 1. Ele conta que, geralmente, cada pinha produz um quilo da semente. “Então, tem seis reais pendurado, é só pegar”, disse aos risos. Mas, em um dia especial, o coletor revela que chegou a colher uma pinha com 5 kg 650 gramas de pinhão, a maior até o momento de sua vida.

Como em Campo Alegre há araucárias espalhadas pelo município, Ivo recebe autorização para colher pinhão nas roças de moradores, os quais destina parte do valor obtido com as vendas. Pelo filho ainda não saber coletar as pinhas do alto, ele conta que, geralmente, contrata mais um ajudante para subir nas árvores.
Para agilizar o processo de separação do pinhão com conteúdo, das cascas de sementes vazias, Ivo descobriu uma técnica: jogar o conteúdo num barril de água. Aqueles que não tem conteúdo boiam e os pinhões cheios descem. Com isso, o agricultor afirma que chega a selecionar 100 kg de pinhão em apenas uma hora. Ao terminar, as sementes são ensacadas novamente e armazenadas.

Enquanto terminava o trabalho de selecionar o pinhão, Ivo, pensativo e preocupado, sugere outra questão que pode estar interferindo na produção das araucárias: a derrubada das árvores para vender em serralherias. Segundo ele, o valor cúbico da madeira da araucária geralmente é o mesmo valor que a árvore produz de pinhão em uma única safra. “Eu sou contra derrubar uma araucária, há 30 e poucos anos tirando pinhão, então, quantas vezes este pinheiro pagou-se só tirando pinhão, e tem gente que faz isso”, diz sobre as árvores que foram abatidas.
Segundo um estudo da Universidade de Reading, do Reino Unido, a araucária poderá ser extinta até 2070. A análise dos cientistas observam a exploração madeireira predatória como a razão fundamental para a possível extinção da espécie Araucaria angustifolia, a Araucária, ou o pinheiro-do-paraná.
Ainda de acordo com os estudos, outro fator é a mudança climática, pois o aumento contínuo da temperatura média do planeta Terra interfere no ecossistema e traz desequilíbrio à natureza. Hoje, restam apenas de 1% a 3% da extensão original das florestas de araucária, que um dia cobriu um território aproximado de 20 milhões de hectares.

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Texto: Herison Schorr
Jornalista formado pela Faculdade Bom Jesus Ielusc